A Presença da Ásia Central na Guerra da Ucrânia: a participação forçada de trabalhadores e detentos centro-asiáticos nos campos de batalha

Boletim Brasil & Oriente
4 min readMay 2, 2023

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Fonte: VOA News. | Reprodução Reuters.

Além das consequências econômicas causadas pela guerra na Ucrânia, reverberadas em grande escala na Ásia Central, cujos países são altamente dependentes da Rússia – especialmente nas questões econômicas e militares – a população centro-asiática enfrenta outro grave problema: o trabalho forçado de migrantes e prisioneiros na parte do território ucraniano dominado pela Rússia.

Segundo organizações não governamentais e ativistas russos e centro-asiáticos, para além de fontes unicamente ocidentais, prisioneiros oriundos das ex-repúblicas soviéticas, presos em penitenciárias russas – em sua grande maioria, acusados de tráfico internacional de drogas –, estão sendo recrutados pelo então conhecido grupo Wagner (descrito como empresa privada militar e altamente ligado ao governo russo) para participarem das batalhas contra os ucranianos, em troca da redução da pena e uma quantia em dinheiro, geralmente destinada às famílias dos combatentes. Entretanto, os familiares e amigos de combatentes centro-asiáticos estão recebendo seus corpos mortos em combate.

Suspeito de alistar uma notável quantidade de prisioneiros de penitenciárias da Rússia e ser caracterizado pelos Estados Unidos como organização criminosa transnacional por ajudar as tropas russas na guerra da Ucrânia, o presidente da Wagner afirmou recentemente que o grupo encerrou as atividades de recrutamento de presos. Contudo, familiares e conhecidos dos condenados centro-asiáticos em território russo afirmam que os presos continuam a ser pressionados a lutarem nos campos de batalhas.

É válido ressaltar que há um fluxo alto de migração de trabalhadores da Ásia Central para a Rússia em busca de melhores condições de vida. Estima-se que cerca de 10,5 milhões de migrantes centro-asiáticos estão trabalhando na Rússia: vendendo sua força de trabalho para companhias russas, o proletariado centro-asiático é capaz de sustentar a sua família, enviando parte do salário recebido à terra natal. Apesar dos esforços em diversificar os parceiros estratégicos e reduzir a dependência de Moscou, os governos da Ásia Central continuam dependentes da economia russa, em vista das décadas de colonização russa e, posteriormente, soviética.

Nesse contexto, os migrantes centro-asiáticos estão aceitando propostas de trabalho altamente perigosas propostas por companhias russas localizadas em zonas de guerra na Ucrânia, em especial no território dominado pela Rússia. A maioria dos migrantes têm aceitado correr esse risco devido aos salários atrativos e à necessidade de pagarem suas dívidas. Os trabalhos oferecidos centram-se na construção civil em cidades devastadas pelo conflito, além da criação de trincheiras e recolhimento de cadáveres. Ademais, há relatos de trabalhadoras recebendo propostas para atuarem em hospitais e cantinas militares.

Todavia, as embaixadas da Rússia nos Estados centro-asiáticos têm afirmado, desde outubro de 2022, que as notícias sobre a participação forçada de migrantes da Ásia Central na guerra da Ucrânia são falsas, indicando que tais informações visam somente prejudicar as relações russas com o subcontinente. Na contramão, o prefeito de Moscou, Sergei Sobyanin, fez o anúncio da abertura de um centro de recrutamento militar para estrangeiros e, por conseguinte, para os migrantes centro-asiáticos, dado que a maioria da força trabalhadora estrangeira é oriunda da Ásia Central. Tal posicionamento desafia a recomendação das autoridades centro-asiáticas ao orientarem seus cidadãos a não se envolverem no conflito.

Com relação ao posicionamento governamental das ex-repúblicas soviéticas sobre os crescentes relatos supracitados, trata-se um caminho sem saída. Apesar da indignação popular, escassamente registrada devido à proibição, por parte dos governos, de pesquisas sobre o conflito russo-ucraniano, as remessas salariais enviadas de trabalhadores migrantes na Rússia aos respectivos países são o que sustenta as economias da região, principalmente do Quirguistão. Contudo, autoridades tadjiques e quirguizes estão trabalhando para extraditar os condenados em território russo aos seus respectivos países de origem.

Por Rodolfo Queiroz Sverzut.
Editado por Jéssica Guerra
Revisado por Lívia Winkler

Fontes:

Are Central Asians Being Conscripted by Russia to Fight in Ukraine? THE DIPLOMAT. Disponível em: < https://thediplomat.com/2022/10/are-central-asians-being-conscripted-by-russia-to-fight-in-ukraine/>. Acesso em: 16 mar. 2023.

Central Asian Countries Tread Cautiously on Russia's War in Ukraine. VOA News. Disponível em: <https://www.voanews.com/a/central-asian-states-tread-cautiously-on-russia-s-war-in-ukraine/6465144.html>. Acesso: 23 mar. 2023.

Central Asians Pressed To Fight In Ukraine With Russian Troops Returning Home In Coffins. RFE/RL. Disponível em: <https://www.rferl.org/a/ukraine-war-central-asians-fighting-russia/32287984.html>. Acesso em: 16 mar. 2023.

Collecting Dead Russians: Central Asians Being Lured To Work In Occupied Ukraine. RFE/RL. Disponível em: < https://www.rferl.org/a/russia-ukraine-central-asians-work-accomplices-invasion/32311813.html>. Acesso em: 16 mar. 2023.

Public in Kyrgyzstan pressed from all sides by Russia’s war in Ukraine. EURASIANET. Disponível: < https://eurasianet.org/public-in-kyrgyzstan-pressed-from-all-sides-by-russias-war-in-ukraine>. Acesso em: 16 mar. 2023.

Ukraine war: Migrants in Russia forced to fight in Putin's war. BBC. Disponível em: < https://www.bbc.com/news/world-europe-64582985>. Acesso em: 16 mar. 2023.

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