As retomadas das relações sauditas-iranianas

Boletim Brasil & Oriente
5 min readApr 9, 2023

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Fonte: Reuters

A mediação chinesa entre a Arábia Saudita e o Irã sinaliza uma potencial mudança de paradigma na diplomacia e nas alianças do Oriente Médio. Repito: sinaliza. Bem-sucedida, a mediação chinesa entre os principais arquirrivais do Oriente Médio também pode levar a uma détente regional mais ampla. Sem dúvidas, demonstra a força diplomática de Pequim, que ocupa o papel de grande potência na região.

O Irã e a Arábia Saudita restabeleceram relações diplomáticas em acordo mediado pela China. Uma surpresa para muitos que aguardavam um acordo de restabelecimento de relações diplomáticas entre a Arábia Saudita e Israel mediado pelos EUA. Não que esteja descartada essa segunda possibilidade, mas a reaproximação entre Riad e Teerã mostra que não haverá mais uma coalizão contra o regime iraniano, como queriam Washington e os israelenses.

James M. Dorsey, professor de Cingapura da National University of Singapore’s Middle East Institute, diz que a aproximação entre o Bahrein e o Irã também está próxima. O Bahrein é um Estado cuja população é de maioria xiita, contudo é governado por uma minoria sunita. O Bahrein seria o único membro do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) sem relações formais com o Irã, por isso a aproximação é quase certa.

O Conselho de Cooperação do Golfo abarca Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Catar, Kuwait e Omã. James M. Dorsey aposta que ocorra uma possível segunda onda de détente no Oriente Médio com Egito, Marrocos e Jordânia.

A Arábia Saudita supostamente prometeu parar de financiar a mídia e os grupos que se opõem ao regime em Teerã. Em troca, o Irã teria prometido ajudar a acabar com a guerra de oito anos no Iêmen e impedir que os rebeldes houthis atacassem alvos na Arábia Saudita. O acordo entre duas das mais radicais ditaduras no planeta tende a acalmar os ânimos em uma série de conflitos na região.

Entre os maiores beneficiados estão a Síria, Líbano, Iraque e Iêmen.

No caso da Síria, já havia uma reaproximação de Bashar al-Assad com o mundo árabe, especialmente via Emirados Árabes Unidos. Com o acordo entre Irã e Arábia Saudita, o médico oftalmologista e ditador sírio poderá ter ainda mais acesso a investimentos dos ricos países do Golfo Pérsico e talvez até retorne para a Liga Árabe (para isso, porém, terá ainda que superar o veto do Catar).

O Iraque também se beneficia, porque deve haver uma redução de tensões sectárias no país. Aliás, segundo James M. Dorsey, Bagdá foi quem ajudou inicialmente no diálogo entre sauditas e iranianos.

No Líbano, o cenário é um pouco mais complexo. O benefício mais claro será o provável retorno do capital saudita e possivelmente de turistas da Arábia Saudita ao país. Naturalmente, isso pode ajudar no combate ao colapso econômico libanês. O acordo entre Teerã e Riad também abre espaço para uma aproximação já iniciada entre os grupos xiitas Hezbollah e Amal com partidos sunitas.

Ao mesmo tempo, o acordo parece ter potencialmente colocado uma chave inglesa nas manobras geopolíticas de Israel. O acordo diminuiu as esperanças israelenses e americanas de uma frente saudita-emiradense-israelense unida contra o Irã, que poderia arriscar um confronto militar.

Assim, Israel é o maior derrotado do acordo entre a Arábia Saudita e o Irã. Acima de tudo, perde o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que apostava suas fichas no restabelecimento de relações diplomáticas com os sauditas para ampliar uma frente contra o Irã. O problema é que, a partir de agora, os sauditas não integrariam uma coalizão contra Teerã, embora ainda seja possível restabelecer relações diplomáticas com Israel no âmbito bilateral, com aumento nos investimentos mútuos.

Por outro lado, os palestinos são beneficiados, de certa forma. O problema seria se o acordo fosse da Arábia Saudita com Israel (sinceramente, acredito que não esteja muito longe de acontecer). Isso vai isolá-los ainda mais no Mundo Árabe. Por que? A grande verdade é que o Mundo Árabe não se importa em grande proporção com os palestinos e somente os usa como moeda de troca. Arábia Saudita não invadiu Israel na Guerra de 1948. Marrocos e Tunísia sempre tiveram boas relações com Israel. O braço direito do Rei do Marrocos é judeu, assim como o Ministro do Turismo na Tunísia é judeu. Omã, Emirados Árabes Unidos e Bahrein sempre receberam comitivas do governo de Israel. Os Emirados Árabes Unidos estabeleceram estreitos laços econômicos e de segurança com Israel juntamente com Bahrein e Omã.

Agora, uma coisa é verdade: os EUA também são perdedores. Em primeiro lugar, porque veem a China, seu maior rival geopolítico, conquistar uma enorme vitória diplomática no Oriente Médio, uma região que historicamente é zona de influência de Washington. Em segundo lugar, porque veem a redução do isolamento do Irã e o fracasso da construção de uma coalizão na região contra Teerã. Por último, reduz, apesar de não eliminar, a possibilidade de negociar um acordo entre sauditas e israelenses.

“E por que Arábia Saudita e Irã resolveram se aproximar?”

É difícil responder, mas tudo é possível com uma análise de Relações Internacionais. Primeiro, é nítido que Mohammed bin Salman (MBS) não suporta Biden, que corretamente o classificou como assassino quando era candidato, mas, de forma covarde, voltou atrás quando assumiu a Casa Branca. O ditador saudita gosta mesmo é de Trump e dos republicanos. Em segundo lugar, deve ter observado a situação caótica em Israel e avaliado ser melhor esperar um tempo para um acordo quando as condições forem mais favoráveis. Terceiro, quis dar um prêmio para a China, que cresce como potência global. Por último, os sauditas já vinham dialogando com os iranianos e os dois lados calculavam que simplesmente teriam mais benefícios tendo relações diplomáticas do que sendo inimigos.

Escrito por Nemésio Neto
Editado por Lívia Winkler
Revisado por Jéssica Guerra

Fontes:
CHACRA, Guga. EUA e Israel perdem com acordo Irã-Arábia Saudita. O Globo. 10 de março de 2023. Disponível em: https://oglobo.globo.com/blogs/guga-chacra/coluna/2023/03/eua-e-israel-perdem-com-acordo-ira-sauditas.ghtml. Acesso em: 20 de março de 2023.
DORSEY, James M. Saudi Iranian détente potentially sparks paradigm shifts. Substack. 16 de março de 2023. Disponível em: https://jamesmdorsey.substack.com/p/saudi-iranian-detente-potentially. Acesso em: 20 de março de 2023.

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Boletim de análises pautadas nas relações exteriores entre a República Federativa do Brasil e países do Oriente.