Wang Hong: as influencers que movimentam bilhões de dólares

Boletim Brasil & Oriente
5 min readMar 30, 2023

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Fonte: China Global Television Network

Wang Hong é o termo utilizado para se referir a celebridades da internet na China, que fazem verdadeiras fortunas pelo grande número de seguidores que possuem em redes sociais como Weibo, Douyin e Douyu. O termo é derivado de Wangluo Hongren - “famosos da internet”, em tradução livre - e traz uma clara distinção em relação às estrelas de cinema ou da música; pelo contrário, as wang hong são pessoas que construíram o seu público praticamente sozinhas, apenas com o auxílio de uma câmera. Atualmente, apesar da maior diversificação de gênero entre wang hongs, existe uma predominância feminina, tanto na posição de influencers quanto de público-alvo.

Houve diversas transformações no ambiente material e digital desde as primeiras grandes interações virtuais em grupo até agora. O processo se iniciou nos blogs, mas foi nas redes sociais e nos streamings que se consolidou como um grande ramo na área econômica. Assim, uma economia crescente que movimenta bilhões de dólares passou a atrair investidores internacionais, mas, principalmente, empreendedores locais ávidos por uma participação no setor.

Seja pela fama, seja pela fortuna, jovens aspirantes ao status de wang hong começam a produzir conteúdos para as redes sociais. Zhang Dayi e Papi Jiang são exemplos de sucesso frequentemente referenciados, pois, embora tratem de nichos distintos (moda e comédia, respectivamente), ambas são mulheres jovens e bonitas. O modelo predominante das wang hong é possuir o chamado wang hong lian, ter o rosto das celebridades em conformidade com o padrão de beleza do país - olhos grandes, queixo em formato de “v”, ponte do nariz alta e boca em formato de coração. Além disso, outra grande característica da economia wang hong é a primazia no setor da beleza, uma área que envolve desde moda a cosméticos e procedimentos estéticos.

O processo de transformação de seguidores em clientela não é uma exclusividade da China, sendo um fenômeno relativamente uniforme em diversos países. A ligação entre fornecedores, vendedores, potenciais clientes e finalmente compradores é complexa na economia wang hong, no entanto apresenta grande estabilidade. Boa parte se deve ao fato de que as redes operam de modo que a competição não é destrutiva e que os algoritmos não sofrem alterações bruscas, como as observadas frequentemente no Youtube, Instagram e Twitter. Dessa forma, as wang hong, devidamente monetizadas, podem postar os conteúdos a serem entregues regularmente para os seguidores, que frequentemente compram seus produtos. As mercadorias podem ser pensadas e desenvolvidas pelas próprias wang hong, em seus próprios empreendimentos, ou podem ser propriedade de grandes fornecedores - como Alibaba, Taobao e Shopee. Nesse sentido, o relacionamento entre público e influencer resulta em ciclo aparentemente sem fim de consumismo.

Além da promoção desenfreada de um estilo de vida consumista, com pouca ou nenhuma preocupação ambiental, o impacto sobre a autoestima geral desse modelo empresarial é enorme. Apesar de a China apresentar um regime socialista com características próprias, é possível perceber no comportamento agregado a presença de perspectivas neoliberais, como a competição incessante e a percepção de autonomia do indivíduo em sua vida profissional, ideias alastradas pelo país de modo mais intenso desde a abertura da economia na década de 70, mas que também estão presentes em diversos outros países. Isso se entrelaça com o apolitismo tradicionalmente enraizado na comunidade de beleza, majoritariamente composta por mulheres.

Embora exista todo um segmento que explore artisticamente a área da cosmética, esta segue sendo uma indústria multibilionária orientada quase que exclusivamente para o lucro. Assim, o consumo de determinados produtos é internalizado como uma ação de autocuidado e promoção do bem-estar, além de uma compreensão de que estar bem apresentável gera melhores oportunidades, não apenas de relacionamentos, mas também de trabalho. Tudo isso mascara a pressão estética sofrida pelos indivíduos, que gastam verdadeiros rios de dinheiro.

A vigilância estética se propaga em diversas direções; o público repara e faz apontamentos para si mesmo de onde “é preciso melhorar” dentro do próprio círculo social, da família e amigos, assim como denota aspectos positivos e negativos na aparência das wang hong. Os efeitos de estar constantemente em frente às câmeras acarretam uma busca pelo aperfeiçoamento estético, que pode ser ou não bem sucedido. Nesse sentido, ainda que as wang hong tenham a aparência impecável, são vistas com desconfiança por uma parcela considerável da população, que as discriminam e encaram sua profissão com estigma similar ao da prostituição.

Dessa forma, o apolitismo faz com que os membros mais ativos da comunidade da beleza encarem que exista pouca ou nenhuma luta política nesse ambiente, como se todos os direitos das mulheres já estejam garantidos e tudo o que resta é se comportar de determinada maneira que o sucesso virá, sendo este fruto da responsabilidade de cada pessoa em aparentar estar sempre bonita e disposta - seja comprando um cosmético, seja fazendo uma cirurgia plástica. No entanto, inúmeras desigualdades continuam presentes, como discriminação de genêro e a expectativa da jornada dupla, que exige das mulheres não apenas sucesso profissional, mas também gestão bem sucedida dos próprios lares, ainda que não morem sozinhas.

Portanto, a economia wang hong atrai por diversos motivos: admiração ou afeto pelas influencers, perspectiva de melhora de vida e emancipação são alguns deles. Ainda que não seja uma exclusividade da China, o mercado de influenciadores dos demais países não se compara à complexidade e articulação entre os atores dessa economia. Precisamente por essa peculiaridade, é interessante observar os efeitos sociais do fenômeno, que opera com os mais diversos sentimentos - afeto, desejo, culpa - para produzir bilhões de dólares.

Escrito por Flávia Beatriz
Editado por Laura Webber Alves
Revisado por Lívia Winkler

Fontes:

DIPPNER, Anett. How Much Is My Face Worth? Neoliberal Subjectification, the Beauty Economy, and the Internet Celebrity Culture in China. ASIEN 147 (April 2018), S. 38–63.
HAN, Xiaofei. Platform as new “daddy”: China’s gendered wanghong economy and patriarchal platforms behind. Internet Policy Review, Vol 11, Issue 1, (Mar, 2022).
HUA, Wilson. Breakthrough. Wang Hong: The Chinese influencer economy that manufactures fame and fortune. Disponível em: <https://breakthrough.neliti.com/wang-hong-the-chinese-influencer-economy-that-manufactures-fame-and-fortune/>. Acesso em: 22 de março de 2023.
LI, Dannie. Business Insider. How “Wang Hong” Internet celebrities have transformed Chinese retail. Disponível em: <https://www.businessinsider.com/how-internet-celebrities-have-transformed-chinese-retail-2017-8>. Acesso em: 22 de março de 2023.
LIAO, Sara. WangHong Fashion Culture and the Postfeminist Time in China. Fashion Theory, (Jul, 2019).
ZHANG, Ge; DE SETA, Gabriele. Being “Red” on the Internet: The Craft of Popularity on Chinese Social Media Platforms. In: Microcelebrity around the globe: approaches to cultures of internet fame. Emerald Publishing Limited. 2018. pp 57-67.

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