PERSPECTIVAS DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA DO NOVO GOVERNO LULA PARA A ÁSIA CENTRAL

Boletim Brasil & Oriente
5 min readFeb 9, 2023

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O presidente Luís Inácio Lula da Silva vestindo trajes típicos do Cazaquistão, durante a sua visita ao país, ao lado do ex-mandatário cazaque Nursultan Nazarbayev, em 2009. | Foto: Ricardo Stuckert | Reprodução: G1.

Após a apertada disputa eleitoral e com a consagração da vitória de Luís Inácio Lula da Silva em 30 de outubro de 2022, houve profundas mudanças nas perspectivas da política exterior brasileira para os próximos 4 anos. Na contramão do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que defendia uma política externa conservadora e pró-Estados Unidos, na qual o ex-chanceler, Ernesto Araújo defendeu que o Brasil fosse pária, ao falar sobre o papel do país no mundo, o atual presidente em seu discurso de posse afirmou, segundo suas próprias palavras: “hoje nós estamos dizendo ao mundo que o Brasil está de volta; que o Brasil é grande demais para ser relegado a esse triste papel de pária do mundo”, destacando a volta de uma política externa ativa e altiva.

Portanto, o atual mandatário brasileiro visa recolocar o Brasil no cenário internacional como o agente relevante e interessado que sempre foi, engajando-se novamente em pautas de meio ambiente e de direitos humanos.

Amplamente conhecida pela estratégia de aproximação com os grandes países periféricos, considerando o sistema internacional construído e dividido de forma hierárquica, a política externa do presidente Luís Inácio Lula da Silva, entre o primeiro e o segundo mandatos (2003–2010), englobou a Ásia Central nos planos de aproximação do Brasil para com as nações emergentes. Lula foi o primeiro mandatário da América Latina a visitar um país centro-asiático e o pioneiro em receber um presidente do subcontinente asiático.

Nesse contexto, a troca de visitas presidenciais ocorreu em 2007, com a vinda de Nursultan Nazarbayev ao Brasil, e em 2009, com a respectiva viagem de Lula ao Cazaquistão. Isso demonstra uma das principais características da política externa do governo Lula que é a diplomacia presidencial, a qual conceitua a função diplomática exercida diretamente pelo chefe do poder Executivo, sem o intermédio de diplomatas. Não obstante, o Ministério das Relações Exteriores e o seu corpo diplomático foram igualmente fundamentais na aproximação do Brasil com a Ásia Central.

Pode-se pontuar também a abertura da Embaixada brasileira em Astana, em 2006, na capital do Cazaquistão, consagrando-se um feito inédito em toda a América Latina, sendo correspondido do outro lado mundo com a abertura da representação diplomática centro-asiática no Brasil, em 2013. O estabelecimento da primeira e única representação diplomática brasileira na Ásia Central ampliou os contatos e a aproximação com os governos centro-asiáticos, assim como aumentou os fluxos comerciais entre o Brasil e os países locais. Logo, percebe-se outra característica importante da política externa brasileira do atual governo: o aumento de representações diplomáticas ao redor do mundo.

Entretanto, diversos estudiosos sobre a relação do Brasil com os territórios da Ásia Central, principalmente acerca da estratégia desenhada pelo governo Lula para a política externa brasileira, apontam fraquezas na estratégia adotada no subcontinente asiático. O primeiro ponto a ser destacado é o baixo estímulo ao soft power brasileiro para reduzir o desconhecimento mútuo entre o país e a região. Isso demonstra a fragilidade na abertura de embaixadas ao redor do mundo e o abandono destas sem destinar os esforços necessários para mantê-las funcionando, de modo a aprofundar as relações bilaterais com outros países.

O segundo ponto trata-se do aspecto comercial: estatísticas do comércio entre Brasil e Ásia Central indicam valores ínfimos, subestimando um mercado consumidor centro-asiático em ascensão, considerando a abertura regional aos investimentos estrangeiros, o consumo doméstico e a riqueza mineral dos territórios centro-asiáticos. Podemos citar como exemplo o Cazaquistão, a maior economia da Ásia Central, que tem alavancado as suas exportações nos últimos anos.

Dessa forma, um dos principais desafios do novo governo de Lula da Silva e da continuidade da política externa de seus mandatos anteriores é superar as fragilidades supracitadas, estimulando o poder cultural brasileiro em solo centro-asiático e reduzindo o desconhecimento mútuo entre a Ásia Central e o Brasil. Para além disso, destaca-se a necessidade de aumentar o fluxo comercial estabelecido com a região, apresentando o mercado consumidor em potencial para as empresas brasileiras e aumentando as visitas de autoridades brasileiras na região, sendo favorável à expansão das relações bilaterais.

Ademais, a volta do Brasil à discussão sobre as questões climáticas é também uma expectativa do novo governo, que usará a recriada pasta do Ministério do Meio Ambiente para se projetar no mundo como um país que leva a questão climática a sério, visto que a imagem deixada pelo governo anterior é de destruição e de facilitação do desmatamento e das queimadas, principalmente na região amazônica. Nesse ínterim, a Ásia Central apresenta-se como território potencial em produção de energias limpas e entusiasta em desenvolvê-las, mas que sofre igualmente com os impactos da mudança climática.

Do ponto de vista sistêmico, o mundo, evidentemente, é muito diferente no terceiro mandato de Lula, visto que a rivalidade entre EUA e China é um fator de desestabilização do jogo internacional, que não havia nos seus dois mandatos anteriores. Dessa forma, a inserção brasileira nesse contexto internacional exigirá muita habilidade por parte do presidente Lula e do Ministério das Relações Exteriores. Para isso, uma das soluções seria a adoção de uma equidistância pragmática, que é um conceito aplicado pelo historiador Gerson Moura à política Externa de Getúlio Vargas no período pré-guerra e no início da Segunda Guerra, quando o Brasil barganhava vantagens da disputa entre Estados Unidos e Alemanha.

Por Gabriel Meneguete e Rodolfo Queiroz Sverzut.

Editado por Jéssica Regina Guerra de Souza.

Revisado por Lívia Winkler

Fontes:

Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, após reunião ampliada com o presidente do Cazaquistão, Nursultan Nazarbayev — Astana, 17 de junho de 2009. Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/presidente-da-republica-federativa-do-brasil-discursos/11049-discurso-do-presidente-da-republica-luiz-inacio-lula-da-silva-apos-reuniao-ampliada-com-o-presidente-do-cazaquistao-nursultan-nazarbayev-astana-17-de-junho-de-2009>. Acesso em: 01 jan. 2023.

MOREIRA, Bruna Bosi. A Política Externa de Lula e as Relações Brasil-Ásia Central: constrangimentos geopolíticos e hierarquia de interesses globais. Conjuntura Austral, Porto Alegre, v. 7, ed. 38, p. 47–59, 2016.

Leia íntegra do discurso de Lula após receber a faixa no Planalto. UOL — Disponível em:<https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2023/01/01/posse-lula-integra-discurso-rampa-faixa.htm?cmpid=copiaecola>. Acesso em: 01 fev. 2023.

SILVA, Ricardo Luis Pires. A Nova a Nova Rota da Seda Caminhos para a Presença Brasileira Ásia Central. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011. 316 p.

VIGEVANI, Tullo; CEPALUNI, Gabriel. A Política Externa de Lula da Silva: A Estratégia da Autonomia pela Diversificação. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 29, ed. 2, p. 273–335, 2007.

WOLLMANN, Fabiano Joel. Vinte e cinco anos de relações bilaterais entre o Brasil e os países da Ásia Central. In: BARBOSA, Pedro Henrique Batista (org.). Os Desafios e Oportunidades na Relação Brasil-Ásia na Perspectiva de Jovens Diplomatas. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2017. p. 301–339.

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Boletim de análises pautadas nas relações exteriores entre a República Federativa do Brasil e países do Oriente.